quinta-feira, 21 de outubro de 2010



Conhecendo a Cristo, Segundo a Carne

John Wesley

PLYMOUTH-DOCK, 15 de Agosto de 1789.

'Por isso, daqui por diante, a ninguém, nós conhecemos segundo a carne; e, ainda que tenhamos conhecido Cristo, segundo a carne, contudo agora já não o conhecemos desse modo'.

(II Corintios 5:16)

1. Há muito tempo tenho desejado ver alguma coisa claramente e inteligentemente escrita sobre essas palavras. Este não é, sem dúvida, um ponto de pequena importância: ele entra profundo na natureza da religião; e, ainda assim, que tratado nós temos, na língua Inglesa, que seja escrito sobre ele? Possivelmente, pode existir algum; mas nenhum deles chegou ao meu conhecimento; não, nem mesmo um simples sermão.

2. Isto é aqui introduzido pelo Apóstolo, de uma maneira muito solene. Essas palavras, literalmente traduzidas seguem assim: 'Ele morreu por todos, para que os que vivem'; todos que vivem sobre a terra, 'não possam, doravante, do momento em que O conheceram, viverem para si mesmos'; buscarem a sua própria honra, ou proveito, ou prazer, 'mas junto a ele', na retidão e santidade verdadeira. (II Coríntios 5:15). 'De modo que, desde este tempo', nós que o conhecemos pela fé, 'conheçamos ninguém', mesmo o restante dos Apóstolos, ou você, ou alguma outra pessoa, 'segundo a carne'. Esta expressão incomum, na qual toda a doutrina depende, parece significar que nós não consideramos homem algum, de acordo com seu estado anterior, -- sua região, riquezas, poder ou sabedoria. Nós consideramos todos os homens apenas em seu estado espiritual, e como eles permanecem relacionados para um mundo melhor. Sim, se nós tivéssemos conhecido, até mesmo Cristo, segundo a carne (o que indubitavelmente eles fizeram, observando e amando a Ele como a um homem, com uma afeição natural), ainda assim, agora, nós não o conheceríamos mais desta forma. Nós não o conheceríamos mais, como a um homem, pela sua face, forma, voz, ou maneira de falar. Nós não mais pensaríamos Nele como a um homem, ou o amaríamos sob esta característica.

3. O significado, então, desta expressão fortemente figurativa parece ser nenhuma outra do que esta: Do momento em que somos criados novamente em Cristo Jesus, nós não pensamos, ou falamos, ou agimos, com respeito a nosso abençoado Senhor, como um mero homem. Nós não usamos agora qualquer expressão, com relação a Cristo, que não possa ser aplicada a ele, não apenas como a um homem, mas como Ele sendo 'Deus sobre todos, e abençoado para sempre'.

4. Talvez, com o objetivo de colocar isto, sob uma luz mais clara, e, ao mesmo tempo, preservarmo-nos contra erros perigosos, seria bom exemplificar alguns desses, que, de uma maneira mais clara e palpável, 'conheceram a Cristo, segundo a carne'. Nós podemos situar, entre os primeiros desses, os Socinianos [Socianismo à doutrina de Socini, também chamado Socino, que rejeitava a Trindade e especialmente a divindade de Jesus]; aqueles que claramente 'negavam o Senhor que os comprou'; e que, não apenas não admitem que Ele seja o supremo Deus, mas negam que Ele seja algum tipo de Deus, afinal. Eu penso que o mais eminente desses que apareceram na Inglaterra, pelo menos, no atual século, foi um homem de grande aprendizado e habilidades incomuns, Dr. John Taylor, durante muitos anos pastor em Norwich; mais tarde, presidente da Academia de Warrigton. Ainda assim, não se pode negar que ele trata nosso Senhor com grande civilidade; ele se dirige a Ele com palavras muito bondosas; ele o denomina de 'um personagem notável'; sim, 'um homem de virtude consumada'.

5. Ao lado desses estão os Arianos [Membros da seita de Ario, que, no dogma da Santíssima Trindade, não admitia a consubstancialidade do Pai com o Filho]. Mas eu não pensaria em colocar esses, no mesmo nível que os Socinianos. Existe uma diferença considerável entre eles. Porque, enquanto que os primeiros negam que Cristo seja algum Deus, afinal, os últimos, não; eles apenas negam que ele seja o grande Deus. Eles de bom grado admitem, mais do que isto, afirmam que Ele é um Deus menor. Mas isto é atendido com uma inconveniência peculiar. Isto destrói totalmente a unidade da Divindade. Porque, se existe um Grande Deus e um Deus Menor; devem existir dois Deuses. Mas, colocando isto à parte, e mantendo o ponto diante de nós: todos que falam de Cristo, como sendo inferior ao Pai, e consideram que Ele seja sempre tão pequeno, indubitavelmente, 'o conhecem, segundo a carne'; não como 'o brilho da glória do Pai, a imagem expressa de sua pessoa; como mantendo', suportando, 'todas as coisas', tanto nos céus, quanto na terra, 'pela palavra de Seu poder', -- a mesma palavra poderosa, por meio da qual, no princípio, ele os chamou à existência.

6. Existem alguns desses que ousam reivindicar que o grande e bondoso Dr. Watts tem a mesma opinião deles; e com o objetivo de provar que ele pensa assim, eles têm citado aquele belo solilóquio, que está publicado em suas obras póstumas. Ainda assim, homens imparciais não irão permitir que eles reivindiquem, sem uma prova mais forte do que a que já tem aparecido. Mas, se ele está isento desta responsabilidade, ele não está igualmente isento de 'conhecer a Cristo, segundo a carne', em outro sentido. Eu não estava ciente disto, mas li todas suas obras, com quase igual admiração, quando uma pessoa de grande devoção, assim como julgamento foi casualmente lembrada de que alguns hinos publicados em seu Horae Lyricae, dedicado ao Amor Divino, eram (como ele salientou) 'muito amorosos, e ajustados para serem endereçados, por um amante, para seu companheiro moral, do que por um pecador para o Altíssimo Deus'. Eu não divido, que existem alguns outros escritores que, embora creiam na Divindade de Cristo, ainda assim, falam da mesma maneira descuidada.

7. Nós podemos afirmar que os hinos publicados, por um grande homem (cuja memória eu amo e estimo) estão livres desta falta? Eles não estão repletos de expressões que fortemente saboreiam do 'conhecer a Cristo, segundo a carne?'. Sim, e de uma maneira mais ostensiva do que alguma coisa que, alguma vez, foi publicada anteriormente, na língua Inglesa? Que pena, que essas expressões grosseiras possam aparecer em muitos hinos verdadeiramente espirituais! Quão freqüentemente, no meio de versos excelentes, existem linhas inseridas que degradam aquelas que as precederam, e as seguem! Por que todas as composições, naquele livro, não são apenas tão poéticos, mas igualmente tão racionais e tão espirituais, como muitos deles reconhecidamente o são?

8. Foi há cinqüenta ou sessenta anos atrás que, pela graciosa providência de Deus, meu irmão e eu, em nossa viagem para a América nos tornamos familiarizados com os (assim chamados) irmãos Morávios [Que pertence à seita dos morávios, denominação protestante, surgida no século XVIII, pela renovação do antigo movimento dos Irmãos Boêmios, que dá ênfase à vida cristã pura e simples e à fraternidade dos homens. Mais comumente conhecida como Irmãos Morávios]. Nós rapidamente nos certificamos de que espírito eles eram, estando vinte e seis deles, na mesma embarcação conosco. Nós não apenas contraímos muita estima, mas uma forte afeição por eles. Todos os dias, nós conversávamos com eles, e os consultávamos em todas as ocasiões. Eu traduzi muitos de seus hinos para o uso de nossas próprias congregações. De fato, como eu não me atrevi a implicitamente seguir quaisquer homens, eu não peguei todos que se colocaram diante de mim, mas selecionei aqueles que eu julguei serem mais bíblicos, e mais adequados para uma experiência saudável. Ainda assim, eu não estou certo de que eu tenha tomado suficiente cuidado, para aparar cada palavra ou expressão imprópria; -- cada uma que pudesse parecer no limite da familiaridade, que não é tão bem adequada à boca de um verme da terra, quando se endereçando ao Deus do céu. Eu tenho, na verdade, me esforçado, particularmente, em todos os hinos que são endereçados ao nosso abençoado Senhor, para evitar toda expressão carinhosa, e falar como que para o mais Altíssimo Deus, a Ele que está 'na glória, igual com o Pai, na majestade co-eterna'.

9. Provavelmente, alguns irão pensar que eu tenho sido muito escrupuloso, com respeito a alguma palavra em particular, que eu mesmo nunca usei, quer em verso ou prosa, em oração ou pregação, embora ela seja freqüentemente usada pelos clérigos modernos, tanto de Roma quanto das Igrejas Reformadas. Trata-se da palavra querido. Muitos desses, freqüentemente dizem, ambos em pregação, em oração, e dando graças. 'Querido Senhor', ou 'Querido Salvador', e meu irmão usou a mesma expressão, em muitos dos seus hinos, por quanto tempo ele viveu. Mas não se trata de usar de muito familiaridade com o grande Senhor do céu e terra? Existe alguma escritura, alguma passagem no Velho ou Novo Testamento, que justifique esta maneira de falar? Alguns dos escritores inspirados fizeram uso dela, até menos, nas Escrituras poéticas? Talvez, alguns possam responder: "Sim, o Apóstolo Paulo a usa. Ele diz, 'Filho querido de Deus'". Eu replico: Em Primeiro Lugar, isto não alcança o caso, porque a palavra a que nós atribuímos querido, não estava endereçada a Cristo, afinal, mas apenas falava dele. Portanto, não é exemplo, ou justificação, para nós a endereçarmos a Ele. Em Segundo Lugar¸ não se trata da mesma palavra. Traduzida literalmente, a sentença se expressa, não como seu Filho querido, mas o Filho de seu amor, ou seu Filho amado. Portanto, eu ainda duvido, se algum dos escritores inspirados, alguma vez, endereça a palavra, tanto ao Pai, quanto ao Filho. Disto, eu não posso deixar de aconselhar a todos os amantes da Bíblia, se eles usam a expressão, afinal, a usá-lo muito esparsamente, vendo que as Escrituras não oferece comando, nem precedente para ela. E, certamente, se algum homem falar', tanto em pregação, quanto em oração, ele 'deverá falar, como os oráculos de Deus'.

10. Nós não usamos freqüentemente esta expressão não bíblica, nos referindo ao nosso abençoado Senhor nas conversas também? E nós não estamos, então, especialmente aptos para falar Dele, como um mero homem? Particularmente, quando nós estamos descrevendo seus sofrimentos, quão facilmente incorremos nisto! Fazemos bem em sermos cuidadosos neste assunto. Aqui não existe espaço para tolerar uma imaginação entusiasta. Eu tenho, algumas vezes, quase hesitado cantar (até mesmo, o excelente hino de meu irmão) 'Aquela querida face desfigurada', ou aquela ardente expressão, 'Derrame teu sangue quente sobre meu coração', a fim de que isto não pareça insinuar que me esqueço de que falo do 'Homem que é meu Próximo, diz o Senhor dos Exércitos'.

Embora Ele também 'se humilhasse, tomando sobre si a forma de um servo, para ser encontrado, de certo modo, como um homem'; sim, embora Ele fosse 'obediente junto à morte, até mesmo à morte na cruz'; ainda assim, que seja sempre lembrado que Ele 'não considerou roubo ser igual com Deus'. E que nossos corações ainda clamem, 'Tu és excessivamente glorioso; tu estás coberto com majestade e honra'.

11.Talvez, alguns possam ficar temerosos, com receio de que refreando essas expressões calorosas, ou mesmo, gentilmente as reprimindo, isto possa reprimir o fervor de nossa devoção. É bem provável que ele possa, ou, até mesmo, impeça alguns tipos de fervor, que têm passado por devoção. Possivelmente, ele pode impedir gritos altos, horríveis, desnaturais, a repetição das mesmas palavras vinte ou trinta vezes, pular dois ou três pés de altura, e jogar para todos os lados braços e pernas, tanto de homens quanto de mulheres, de uma maneira chocante, não apenas para a religião, mas para a decência comum. Mas ele nunca irá reprimir, muito menos, impedir a verdadeira devoção bíblica. Ao contrário, isto irá avivar a oração que é propriamente endereçada a Ele que, embora fosse homem, ainda era o mesmo Deus; que, embora tivesse nascido de uma mulher, para redimir o homem, ainda era o 'Deus da eternidade e mundo sem fim'.

12. E que não se pense que conhecer Cristo, segundo a carne; considerá-lo como um mero homem, e, em conseqüência, usar tal linguagem em público, assim como em particular, como sendo adequada àquelas concepções Dele, é uma coisa de uma natureza puramente indiferente, ou, de certa forma, de um momento não importante. Ao contrário, o usar desta familiaridade imprópria com Deus, nosso Criador, nosso Redentor, nosso Governador, é naturalmente produtivo, de todos os frutos pecaminosos. E isto, não apenas naqueles que falam, mas também naqueles que os ouvem. Isto tem uma tendência direta de diminuir aquela reverência terna devida ao Senhor o Governador deles. Isto sensivelmente sufoca aquele silencioso respeito, que não se atreve a se mover, e todo o céu silencioso do amor.

É impossível que nós possamos nos acostumar a esta odiosa e indecente familiaridade com nosso Criador, enquanto preservamos em nossas mentes, um sentido vivo do que está retratado naquelas solenes linhas: --

Trevas, com excessivo brilho, suas bordas aparecem;

Ainda que no céu deslumbrante, aquele Serafim, mais luzente,

não se aproxime, a não ser com ambas as asas encobrindo seus olhos.

13. Agora, cada cristão racional não tem o desejo sincero de experimentar constantemente de tal amor de seu Redentor (vendo que ele é Deus assim como homem), já que está misturado com o temor angélico? Não é com esta mesma disposição que o bom Dr. Watts tão bem expressa nestas linhas:

Tuas misericórdias nunca serão removidas,

Dos homens de coração sincero;

Tu salvas as almas daqueles, cujo amor humilde

Está misturado com o temor santo?

14. Não que eu recomende uma oração fria, morta, e formal, sem o que, ambos o amor e desejo; a esperança e o temor são excluídos. Assim parece ter sido 'o calmo e imperturbável método de oração', tão fortemente recomendado pelo recente bispo Hoadly, que ocasionou, durante alguns anos, tão violenta discussão no mundo religioso. Não é provável que o bem intencionado bispo tenha se encontrado com alguns dos Místicos [(Misticismo) Crença religiosa ou filosófica dos místicos, que admitem comunicações ocultas entre os homens e a divindade] e Quietistas [ (Quietismo) Sistema místico de alguns teólogos, condenado pela Igreja Católica, que defende a inutilidade do esforço humano para a salvação e para a santificação; segundo essa doutrina, a pessoa deve conservar-se em estado de absoluta passividade contemplativa, indiferente a tudo] (tais como Madame Guion, ou o Arcebispo [Fenelon] de Cambray) e que tendo nenhuma experiência dessas coisas, remendou uma teoria própria, tão proximamente semelhante às dele, tanto quanto pôde? Mas é certo que nada está além da apatia do que a devoção real e bíblica. Ela estimula, exercita, e dá uma completa extensão a todas as nossas mais nobres paixões; e exclui nenhuma, a não ser aquelas que são selvagens, irracionais, e abaixo da dignidade humana.

15. Mas, como, então, nós podemos considerar, que tantos homens santos, de afeições verdadeiramente elevadas, não excetuando o devoto Kempis, têm, tão freqüentemente, usado esta maneira de falar; esses tipos mimosos de expressão; uma vez que nós não duvidamos, de que eles eram homens verdadeiramente devotos? Até aceitamos que eles fossem; mas não admitimos que seus julgamentos fossem iguais à devoção deles. E, conseqüentemente, as afeições deles realmente excediam os limites da razão, e os conduziam a uma maneira de falar, não autorizada pelos oráculos de Deus. Certamente, aqueles eram os verdadeiros modelos, ambos de nossas afeições e nossa linguagem. Mas algum dos homens santos do passado falaram assim, quer no Velho ou no Novo Testamento? Daniel, 'o homem grandemente abençoado', alguma vez se expressou dessa forma com Deus? Ou 'o discípulo a quem Jesus amava', e que, sem dúvida, amou seu Mestre com a mais forte afeição, nos deixou um exemplo de endereçar-se a Ele assim, mesmo quando ele estava no crepúsculo da glória? Mesmo, então, suas palavras derradeiras não são encontradas, a não ser no solene 'Vem, Senhor Jesus!'.

16. A somatória de tudo é que nós devemos 'honrar o Filho, assim como honramos o Pai'. Nós devemos adorá-lo, assim como prestamos adoração ao pai. Nós devemos amá-lo de todo nosso coração e alma; e consagrar tudo que temos e somos; tudo que pensamos, falamos e fazemos ao Trino Deus, Pai, Filho e Espírito Santo, do mundo sem fim!

[Editado por George Lyons para a Wesley Center for Applied Theology.]

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